Artigo da AME BH


A polinização da palavra
A voz humana é um dos mais belos e complexos projetos evolutivos da engenharia divina, resultante da ação e interação conjuntas de vários componentes do corpo. Por seu intermédio, somos capazes de realizar fundamental processo em nossa vida de relação – a comunicação. Fala e linguagem se desenvolveram ao longo dos milênios na história da humanidade, permitindo o seu avanço progressivo, proporcionando maior segurança e bem-estar às civilizações. A despeito dessa indiscutível constatação, consideramo-nos obrigados a refletir sobre o uso individual que fazemos da palavra, uma vez que todo grande sistema se constitui de inumeráveis elementos. Se Deus nos ofereceu a possibilidade de articular sons pela boca, como recurso de crescimento e meio de nos expressar, convém observarmos o emprego que dela fazemos.
Foi Jesus quem nos alertou quanto à necessidade de fiscalizarmos a qualidade do verbo que emitimos. Justa precaução, uma vez que, ao falar, não somente denotamos o que trazemos em nosso íntimo, como ainda afetamos o pensamento dos audientes. Por duas vezes, o evangelista Mateus registrou os alvitres do Mestre:

(...) Os lábios falam do que está cheio o coração. (12: 34)
Mas o que sai da boca procede do coração, e isso contamina o homem. (15:18)

O Cristo nos franqueou esta verdade, que o bom senso e a experiência evidenciam – pela palavra revelamos o que somos de fato. Por mais que tentemos ocultar o Eu Real, em algum momento o verbo exporá sua autêntica face. O Divino Amigo foi mais além e nos apresentou uma analogia que auxilia a discernir qualquer pessoa, ao afirmar "pelo fruto se conhece a árvore". Trata-se de evidência incontestável, desde que a "má árvore" dá frutos deformados, venenosos ou podres. É má no sentido de que o seu produto não faz bem à saúde humana. Obviamente, Jesus não se referiu ao vegetal, mas ao homem, ao asseverar "do coração procedem os maus pensamentos, mortes, adultérios, fornicação, furtos, falsos testemunhos e blasfêmias"[1]. Uma das grandes lições do Cristo é a de que o pensamento se origina do coração, onde se oculta o tesouro da alma. O homem fala aquilo que preenche e transborda do âmago, e se está pleno de bons sentimentos e enriquecido de princípios nobres, os frutos serão perfeitos, suculentos, ou seja, pela voz transmite alimento espiritual altamente nutritivo ao espírito que a alcança.
Com a palavra informamos, educamos, opinamos, saudamos, pedimos, cantamos... Porém, não obstante e principalmente, influenciamos! Essa última alternativa deve estar em nosso radar constantemente, porque muitas vezes ocorre de modo sutil e inconsciente. Atentos ao que dizemos, podemos despercebidamente induzir nossas ideias e crenças às pessoas, em maior ou menor grau, segundo o seu interesse, maturidade e cultura. Os ouvintes não apenas absorvem nossa fala no campo cognitivo, como também reagem imersos nos mais diversos sentimentos. E a repercussão pode acontecer para o bem ou para o mal! Neste âmbito, importa-nos o fato de sermos a fonte emissora, visto que responderemos pelos mínimos atos perante a soberana Lei de Causa e Efeito. Falar "verdades" que ferem, proferir impropérios, denegrir, caluniar, ofender, divulgar inverdades, instigar a maldade – são exemplos de atitudes negativas que serão consideradas em nosso prontuário espiritual, com consequências de reparação futura, a depender da intenção com a qual usamos o verbo. O Espírito Emmanuel nos adverte que "os elementos psíquicos que exteriorizamos pela boca são potências atuantes em nosso nome, fatores ativos que agem sob nossa responsabilidade, em plano próximo ou remoto, de acordo com as nossas intenções mais secretas"[2]. Portanto, a responsabilidade sobre o que falamos e o quanto influenciamos as pessoas é, em última análise, exclusivamente nossa.
Entretanto, se existe a possibilidade de que o mal resulte como consequência do uso impróprio do verbo, por outro lado somos capazes de emitir luzes pelos lábios, de sorte que aqueles que estiverem com as janelas da mente e do coração abertas poderão acolher seus raios. No entanto, estejamos cientes que, se por um lado temos a centelha divina como atributo mais íntimo do espírito, por outro estamos ainda estigmatizados pela imperfeição que governa a nossa personalidade. A despeito de tal realidade, somos plenamente aptos ao progresso espiritual. Foi apostando em nosso potencial que Jesus afirmou, categoricamente, "sois o sal da terra, sois a luz do mundo, sois deuses"[3]. Nada obstante, recomendou-nos oração e vigilância para com pensamentos e atitudes.
Severos com nós mesmos no ajustamento com vistas à excelência na conduta pessoal, se pensarmos e agirmos com amor, misericórdia, compaixão, caridade, perdão, tolerância e vontade de ajudar, será compreensível que a nossa verbalização esteja em legítima ressonância com todos esses valores iluminativos. Deste modo, nossa boa palavra será como o pólen que se esparge ao sabor do vento, pronto para fecundar ideais superiores e gerar bons frutos, bastando para isso encontrar pelo caminho terrenos férteis nos corações das pessoas.
Marcelo de Oliveira Orsini
Escritor e conferencista espírita
Coordenador da Web Rádio Espiritismo BH
Canal YouTube: Marcelo Orsini Espiritismo

[1] Mateus 15:19

[2] Em "O verbo é criador", capítulo 97 da obra Vinha de Luz.

[3] Mateus 5:13-14; João 10:34.

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